Duas novas testemunhas que prestaram depoimento nesta quarta-feira na
40ª DP (Honório Gurgel) relataram que Rayssa Christine Machado de
Carvalho Sarpi, de 18 anos, também foi abusada sexualmente durante a
sessão de tortura filmada por traficantes da favela Faz Quem Quer, em
Rocha Miranda. As agressões ocorreram na madrugada do último dia 20.
As mesmas testemunhas contaram que o vídeo de cerca de três minutos que
correu as redes sociais não foi o único gravado pelos agressores.
Haveria ainda outros dois registros: um mostrando o estupro, que teria
sido cometido por vários homens; e um terceiro com trechos mais longos
da tortura a que Rayssa foi submetida. As imagens estariam todas
armazenadas no celular do traficante que fez as filmagens.
Quatro envolvidos já foram identificados, e devem ter a prisão
preventiva pedida pelo Ministério Público ainda esta semana. Todos
pertencem à facção criminosa que atua na Faz Quem Quer e serão
enquadrados pelo menos nos crimes de associação para o tráfico e tortura
seguida de morte, cuja pena pode chegar a 16 anos de reclusão.
Além da hipótese inicial, de que o espancamento tivesse sido motivado
pelo relacionamento de Rayssa com um policial militar, outra versão
surgiu no decorrer das investigações abertas pela 40ª DP na noite do dia
23, após a repercussão causada pela divulgação do vídeo. Até então, a
família não havia procurado uma delegacia para registrar ocorrência.
Segundo testemunhas, a jovem trocou beijos com um gerente do tráfico da
Faz Quem Quer durante um baile funk, para onde foi com amigas na noite
anterior às agressões. Depois, ao ver o criminoso com outra mulher, a
jovem teria tentado cobrar explicações. Ainda de acordo com esses
relatos, o traficante não gostou de ser interpelado diante da esposa e
arrastou Rayssa pelos cabelos em direção a um local mais afastado, onde a
torturou com a ajuda de comparsas. A polícia ainda tenta localizar as
colegas que acompanharam a vítima na ida ao baile.
Nesta quarta-feira, um laudo preliminar do Instituto Médico Legal (IML)
mostrou que a jovem teria morrido em decorrência de uma pneumonia.
Embora a análise definitiva ainda não tenha sido concluída, a hipótese
de que Rayssa estivesse com traumatismo craniano ou hemorragia e mesmo
assim tivesse sido liberada pelo Hospital estadual Carlos Chagas, onde
foi atendida, está a princípio descartada.
Pais não viram imagens
A morte de Rayssa abalou a vida de toda a família da jovem. Na casa
simples onde ela morava com o pai de criação, a mãe e os irmãos, numa
via residencial do bairro Honório Gurgel, a três quadras de um batalhão
da Polícia Militar, todos têm evitado até mesmo sair para a rua. As
poucas palavras usadas pelo pai para descrever a perda da filha vieram
de dentro da residência, através da janelinha entrecortada na porta de
entrada:
— Eu e minha mulher não conseguimos assistir ao vídeo. Só vimos o
resultado, o jeito que ela voltou pra casa — disse ele, mostrando mãos
trêmulas e olhos vermelhos: — Ninguém aqui sabe direito o que aconteceu.
Agora, só peço que respeitem a nossa dor.
Rayssa foi encontrada muito ferida por um tio, às 8h do dia 20, na Rua
Paula Viana, onde fica um dos acessos à Faz Quem Quer. De imediato, com a
ajuda de bombeiros, o parente conduziu Rayssa ao Hospital estadual
Carlos Chagas, em Marechal Hermes.
— Achei a Rayssa com os olhos inchados, cheia de hematomas na cabeça e
pelo corpo todo. Ela parecia desnorteada. Chegaram a cortar o couro
cabeludo dela para escrever a sigla de uma facção — contou o tio.
A assessoria da Secretaria estadual de Saúde informou que a jovem passou
por tomografia computadorizada e radiografia na mão esquerda. Como os
exames não apresentaram alteração ou fratura, ela recebeu suturas e
curativos. Após ficar em observação por algumas horas, teve alta da
unidade.
Ao longo da semana, Rayssa seguiu sentindo muitas dores, inclusive na
cabeça. Ela também apresentava confusão mental e parecia ter esquecido
detalhes da agressão, o que impediu que seu depoimento fosse colhido
pelos policiais que estiveram em sua casa. A intenção era aguardar que a
jovem apresentasse uma melhora para ouví-la, mas isso não foi possível.
Na manhã de sexta, seis dias após as agressões, os sintomas pioraram. À
noite, ela foi levada novamente ao Carlos Chagas, onde — ainda de acordo
com a Secretaria de Saúde — já chegou em parada cardiorrespiratória.
Ela foi enterrada na tarde do último domingo, no Cemitério do Caju.
extra.globo.com/casos-
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