A leveza na voz de Marília Pêra é um sinal de que o pior já passou. Em
franca recuperação após ficar três meses de molho em casa, devido a um
grave problema no quadril, a atriz de 71 anos não esconde a alegria de
estar de volta às gravações de “Pé na cova”.
— É uma felicidade ímpar. Recebi muito afeto de todo elenco, equipe
técnica, camareiros... Se há algo de bom em se ficar doente é a
constatação do apreço de muita gente — afirma a intérprete de Darlene,
que no bate-papo a seguir fala também sobre como lida com a passagem do
tempo e dos projetos que tem em mente: — Não consigo ficar parada, sou
muito dinâmica.
Como foi reencontrar Darlene?
Eu já estava com muita saudade. Aliás, acho que o público também, porque
no tempo em que fiquei afastada recebi flores, e-mails, cartas,
telegramas... Não dava conta da quantidade de gente solidária. Enfim,
Darlene é alegria, uma personagem bem elaborada, rica, é bêbada, maluca,
bipolar, boa mãe e ex-esposa. Como não sentir falta dela? (risos).
Fiquei preocupada é se ainda conseguiria decorar o texto. Afinal, foi a
primeira vez na vida que fiquei sem exercitar a memória neste sentido.
Pensei: “Como vou fazer após meses sem decorar nada? Mas deu tudo certo,
um esquecimento ou outro natural, e foi lindo meu reencontro com
Darlene.
Você chegou a assistir a “Pé na cova” enquanto se recuperava?
Logo no comecinho da terceira temporada, evitei ver para não ficar
emocionada. Mas acho que foram só os dois primeiros episódios. Então,
meus filhos disseram para eu ver porque eles estavam me homenageando,
sentindo saudade. Aí, fui assistir e me deixei emocionar. A sensação que
tive era de que Darlene e eu estávamos lá o tempo todo. Eles
preencheram a ausência e a atriz que fez a personagem jovem (Paula
Frascari) é talentosa. Percebi que quando Russo sentia falta de Darlene,
era Miguel (Falabella) sentindo saudade de mim.
Mas o que de fato você teve?
Tive um desgaste nos ossos do quadril, na articulação coxo femural. É a
idade mesmo, ocorre com quem foi atleta, bailarina a vida toda. E é o
meu caso. Mas sei que forcei a barra quando estava fazendo o musical
“Alô, Dolly”. Eu me comportei como se tivesse 18 anos, fazia sessões
duplas de quinta a domingo, subindo escada, pulando, colocandoa a perna
no alto... E segunda, terça e quarta gravava “Pé na cova’’. Comecei a
sentir as dores no meio do ano passado e passei por um milhão de exames.
Então, perto de gravar a terceira temporada, a dor era agonizante, não
conseguia pisar. Tive que fazer uma coisa que nunca havia me acontecido:
disse a Cininha (de Paula, diretora) que renunciaria a temporada para
fazer os exames, porque ainda não sabia o que eu tinha.
E você precisou operar?
Não, graças a Deus! Tenho pânico de cirurgia, medo de injeção, de
hospital, das coisas mais simples. Tudo que não queria era operar e tive
sorte. Mas precisava repousar para regenerar minha ossatura. Deixei de
usar salto alto, que adoro, e precisei de muletas para me apoiar. Ainda
uso, vou com elas até o estúdio, ando de sapato baixo, não posso abusar.
Iria fazer um show em São Paulo para inaugurar um teatro, mas meu
empreário, Marcos Montenegro, suspendeu. Não posso usar salto alto nem
em cena e não quero entrar no palco sem ele.
Em algum momento, chegou a ficar deprimida com a situação?
Meu tratamento é à base de remédios e bastante repouso. Eles me
fortalecem. Mas cheguei a ficar debilitada quando ainda não sabia o que
eu tinha e se precisaria operar. E deprimida por não poder gravar. Claro
que me passou pela cabeça a possibilidade de não andar mais. Sabia que o
que eu tinha não era simples. Agora sei que não posso me comportar como
uma adolescente, tenho que ter cautela, afinal, sou uma senhora. A
sorte também é que sou magra, tenho pouco peso para carregar.
Já que está podendo gravar, também foi liberada para exercícios?
Tenho que ter cautela. Há três semanas eu estava muito melhor e comecei
uma fisioterapia, massagem e acabei regredindo: a dor voltou. Percebi
que meu corpo ainda não está preparado e que não devo fazer nenhum
esforço mesmo. A regeneração óssea ocorre de forma lenta. Portanto,
paciência.
Você é uma pessoa que sempre se cuidou, fazia caminhadas...
Uma má notícia: não adianta nada. Isso não garante que não vai ter um
desgaste ósseo. O que conta a meu favor é que sou leve. Meu normal é
47kg, e estou quase chegando lá. Acho que estou com 45, 46kg. Mas uma
coisa é certa: o balé e a música me ajudaram muito na minha vida. A
dança me deu a noção exata do meu corpo. Estou falando com você e
sabendo direitinho como está o dedo mindinho do meu pé direito. Tenho
boa consciência corporal. E a música, que é matemática, me deu o ritmo,
me trouxe a aprendizagem e o entendimento desse universo.
Por ser uma pessoa dinâmica, como lidou com o repouso?
Descanso, descanso para valer, não tive muito não (risos). No meio desse
turbilhão ainda me mudei de casa. E tem que arrumá-la, colocar os
quadros na parede... Além disso, estou me debruçando em outra biografia,
estudando músicas do Herivelto Martins para um show no fim do ano, uma
peça para traduzir... Sem contar filhos, marido, uma cachorrinha para
dar atenção. Trabalho muito, não paro. Sorte que tenho Sandra (Pêra, de
59 anos), irmã amiga querida, e meu marido Bruno (Faria, de 49 anos),
que tomam conta de mim. Durante meus piores momentos, eles se mostraram
um pai e uma mãe para mim.
É em momentos como esse que ratificamos as nossas escolhas, não é?
Nós dois nos escolhemos. Bruno é um companheiro raríssimo, dedicado,
solidário. Ele estava todo enrolado com a produção de um filme, mas
quando mais precisei, não titubeou e, imediatamente, conseguiu uma
liberação para estar disponível para mim.
Vocês estão juntos há 17 anos. Tem receita para um casamento duradouro?
Paciência um com outro e afeto. Tem que gostar muito, querer bem e ser
paciente, porque todo mundo de perto não é normal (risos). E a
convivência é sempre difícil, por isso que tem que existir muito amor.
Ah, e não pode esquecer do bom humor. No meio dessa confusão toda, Bruno
e eu rimos muito.
Como lida com a passagem do tempo? Fica incomodada?
Não, porque não vejo a velhice como um bicho de sete cabeças. Minha mãe
(a atriz Dinorah Marzullo) morreu ano passado, aos 94 anos, e a vi
envelhecendo de forma bonita. Então, para mim é uma coisa normal, desde
que tenha saúde, cabeça boa, não perca a voz, mobilidade e, claro, o
interesse em você mesmo. É bom guardar um pouco do mistério sobre si
mesmo.
Desde a novela “Aquele beijo” (2011), você mantém o visual louro. Gosta de ser platinada?
Comecei a pintar o cabelo muito cedo, na época em que era bailarina.
Como tenho a pele branquinha, usava os fios pretos e ficava bem bonito.
Mas também já fui ruiva. Na verdade, estou com sorte por ainda ter
cabelo. Já ouvi gente dizendo: “Nossa, para sua idade você tem um cabelo
cheio, maravilhoso (risos)”. Acho uma bênção também, porque o cabelo é a
moldura do rosto, então, estou bem satisfeita com ele.
E fora a TV, quais os planos?
Vou dirigir “A vida escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato”, de
Bráulio Pedroso, e Luma Costa (a Odete Roitman de “Pé na cova”) vai
fazer a personagem título. Eu a interpretei em 1970. Como disse, não
consigo ficar parada, sou muito dinâmica. Se no momento minha mobilidade
está um pouco comprometida, os planos na minha cabeça estão indo de
vento em popa.
extra.globo.com/tv
Nenhum comentário:
Postar um comentário