Catia Soares, com as duas filhas (Beatriz, de branco, e Isabela, de
azul) precisou adequar os hábitos de consumo: criou o ‘dia da carne’ e o
‘dia da fruta’. (Foto: Guito Moreto / O GLOBO )
A escalada da inflação atinge de forma perversa a parcela da população
brasileira que ascendeu para a classe C e passou a consumir produtos e
serviços antes inatingíveis. O dragão abocanhou R$ 73,4 bilhões desse
grupo nos últimos 12 meses, segundo estudo do Instituto Data Popular,
feito a pedido do GLOBO. A classe C movimenta cerca de R$ 1,17 trilhão
por ano, calcula o instituto. Nos últimos 12 meses, a inflação acumula
alta de 6,28%, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A
mordida no orçamento só não foi mais doída porque a renda da classe C
continuou a subir. No entanto, ainda em fase de expansão, a nova classe
média já está dividida. Boa parte se encontra em uma “zona de
rebaixamento” e corre o risco de voltar à classe D por causa das
condições da economia brasileira: combinação de inflação persistente e
juros altos.
Segundo uma estimativa construída pela corretora Gradual, dos 108 milhões de pessoas da classe C, cerca de 10 milhões estariam na fronteira da classe D e seriam mais vulneráveis a um rebaixamento. Elas ascenderam à classe média (grupo que, segundo os critérios da Data Popular, tem renda familiar de R$ 1.216 a R$ 4.256) com o aumento dos ganhos salariais no passado, mas ainda têm renda errante que pode diminuir ao sabor do quadro econômico.
— O dilema na mesa do Banco Central é se deve controlar a inflação de serviços, que atualmente roda em 8,99%, por meio de uma elevação da taxa básica de juros a tal patamar que jogaria a nova classe C de volta ao subconsumo da classe D (com o aumento do juro, o crédito fica mais caro) — explica o economista-chefe da Gradual, André Perfeito.
Na visão de Perfeito, o governo tem gasto além da conta e isso coloca combustível na inflação, que prejudica não apenas a classe média, mas principalmente os mais pobres.
O presidente do Data Popular, Renato Meirelles, acrescenta que o debate tem de ser ainda mais amplo: a melhoria de vida da população passa necessariamente por aumento da produtividade e de investimentos.
— Não dá para ficar apenas na corda bamba de segurar a demanda num país que tem demandas tão reprimidas como o Brasil — afirma Meirelles.
A assistente social carioca Cátia Soares de Sant´Anna trabalha em Angra dos Reis de segunda a quarta. As filhas ficam sob o cuidado da mãe dela no Rio. Desde o ano passado, diz que sentiu os preços subirem e alterou hábitos de consumo.
— Antes eu fazia compras num mercado e só me preocupava com o produto. Hoje me preocupo com o valor. Compras, só no "dia da carne" ou no "dia da fruta". Vestuário também é preciso pesquisar. Não tem outra saída, tenho que planejar o que fazer com o salário — conta.
E esse planejamento incluiu o lazer das filhas: evitar ao máximo gastar fora de casa é uma regra. Se a família sai, o lanche vai preparado na bolsa. Cátia tem renda de R$ 1.335 — era de R$ 7 mil até 2012, quando se separou e perdeu o emprego.
Vaudiram Mendes Novais ganhava cerca de R$ 1.600 como garçom. Precisou sair do emprego e passar um tempo com a família na Bahia. Quando voltou para Brasília, não achou mais vaga em bares e restaurantes com o mesmo rendimento. Resolveu trabalhar como vendedor no quiosque de livros do cunhado e o salário caiu para R$ 1.200.
— No supermercado, já senti o aumento dos preços e com a queda do meu salário cortei o supérfluo, como doces e biscoitos, e fiquei com o necessário: arroz, feijão e carne. E consegui baixar a conta do mercado de R$ 300 para R$ 200.
70% acreditam que preços subirão
Vaudiram não é o único que teve de ajustar as compras ao limite do orçamento. De acordo com o levantamento do Data Popular, 85% dos brasileiros acham que não conseguem ter mais o que adquiriam no passado com os mesmos recursos. Além de comprar menos, a pesquisa de preço voltou a ser tendência para os consumidores.
— O brasileiro está mais criterioso e pesquisa mais preços na hora de comprar e isso não é só a classe C, é geral — diz Renato Meirelles.
Segundo o Instituto Data Popular, 70% dos brasileiros apostam que os preços aumentarão ainda mais em 2014. E duas em cada três pessoas acham que não está fácil pagar as contas.
Rochelle Matos é uma delas. Até melhorou de vida no último ano. Deixou de ser caixa de supermercado para vender artigos esportivos. O salário saltou de R$ 1.108 para cerca de R$ 1.500. O dinheiro, entretanto, parece estar mais curto. Na hora de listar o que deixou de comprar, ela dispara sem nenhuma dúvida:
— Roupa e sapato! — conta antes de dar uma boa risada. — Isso era uma coisa que eu comprava muito mais antes.
Já na família da recepcionista Kelly Lucy Pimenta, o corte no orçamento foi carnívoro. Ela, o irmão gari, a irmã manicure e a mãe podóloga tiraram a picanha do fim de semana da lista de compras. O contrafilé também desapareceu da geladeira. E sonhos de consumo foram adiados.
— Queria trocar de celular e comprar um tablet, mas só Deus sabe quando.
Kelly está entre os 54% da população do país que fazem parte da classe média, segundo os critérios do Instituto Data Popular. Mesmo com os brasileiros que estão na zona de rebaixamento, a projeção é que essa camada da população aumente e chegue a 58% em 2023, ou seja, 125 milhões de pessoas.
— Só que para caber mais gente no andar de cima da pirâmide social será preciso investir e estancar o processo inflacionário estrutural em curso— arremata o economista André Perfeito.
Fonte: O Globo
Segundo uma estimativa construída pela corretora Gradual, dos 108 milhões de pessoas da classe C, cerca de 10 milhões estariam na fronteira da classe D e seriam mais vulneráveis a um rebaixamento. Elas ascenderam à classe média (grupo que, segundo os critérios da Data Popular, tem renda familiar de R$ 1.216 a R$ 4.256) com o aumento dos ganhos salariais no passado, mas ainda têm renda errante que pode diminuir ao sabor do quadro econômico.
— O dilema na mesa do Banco Central é se deve controlar a inflação de serviços, que atualmente roda em 8,99%, por meio de uma elevação da taxa básica de juros a tal patamar que jogaria a nova classe C de volta ao subconsumo da classe D (com o aumento do juro, o crédito fica mais caro) — explica o economista-chefe da Gradual, André Perfeito.
Na visão de Perfeito, o governo tem gasto além da conta e isso coloca combustível na inflação, que prejudica não apenas a classe média, mas principalmente os mais pobres.
O presidente do Data Popular, Renato Meirelles, acrescenta que o debate tem de ser ainda mais amplo: a melhoria de vida da população passa necessariamente por aumento da produtividade e de investimentos.
— Não dá para ficar apenas na corda bamba de segurar a demanda num país que tem demandas tão reprimidas como o Brasil — afirma Meirelles.
A assistente social carioca Cátia Soares de Sant´Anna trabalha em Angra dos Reis de segunda a quarta. As filhas ficam sob o cuidado da mãe dela no Rio. Desde o ano passado, diz que sentiu os preços subirem e alterou hábitos de consumo.
— Antes eu fazia compras num mercado e só me preocupava com o produto. Hoje me preocupo com o valor. Compras, só no "dia da carne" ou no "dia da fruta". Vestuário também é preciso pesquisar. Não tem outra saída, tenho que planejar o que fazer com o salário — conta.
E esse planejamento incluiu o lazer das filhas: evitar ao máximo gastar fora de casa é uma regra. Se a família sai, o lanche vai preparado na bolsa. Cátia tem renda de R$ 1.335 — era de R$ 7 mil até 2012, quando se separou e perdeu o emprego.
Vaudiram Mendes Novais ganhava cerca de R$ 1.600 como garçom. Precisou sair do emprego e passar um tempo com a família na Bahia. Quando voltou para Brasília, não achou mais vaga em bares e restaurantes com o mesmo rendimento. Resolveu trabalhar como vendedor no quiosque de livros do cunhado e o salário caiu para R$ 1.200.
— No supermercado, já senti o aumento dos preços e com a queda do meu salário cortei o supérfluo, como doces e biscoitos, e fiquei com o necessário: arroz, feijão e carne. E consegui baixar a conta do mercado de R$ 300 para R$ 200.
70% acreditam que preços subirão
Vaudiram não é o único que teve de ajustar as compras ao limite do orçamento. De acordo com o levantamento do Data Popular, 85% dos brasileiros acham que não conseguem ter mais o que adquiriam no passado com os mesmos recursos. Além de comprar menos, a pesquisa de preço voltou a ser tendência para os consumidores.
— O brasileiro está mais criterioso e pesquisa mais preços na hora de comprar e isso não é só a classe C, é geral — diz Renato Meirelles.
Segundo o Instituto Data Popular, 70% dos brasileiros apostam que os preços aumentarão ainda mais em 2014. E duas em cada três pessoas acham que não está fácil pagar as contas.
Rochelle Matos é uma delas. Até melhorou de vida no último ano. Deixou de ser caixa de supermercado para vender artigos esportivos. O salário saltou de R$ 1.108 para cerca de R$ 1.500. O dinheiro, entretanto, parece estar mais curto. Na hora de listar o que deixou de comprar, ela dispara sem nenhuma dúvida:
— Roupa e sapato! — conta antes de dar uma boa risada. — Isso era uma coisa que eu comprava muito mais antes.
Já na família da recepcionista Kelly Lucy Pimenta, o corte no orçamento foi carnívoro. Ela, o irmão gari, a irmã manicure e a mãe podóloga tiraram a picanha do fim de semana da lista de compras. O contrafilé também desapareceu da geladeira. E sonhos de consumo foram adiados.
— Queria trocar de celular e comprar um tablet, mas só Deus sabe quando.
Kelly está entre os 54% da população do país que fazem parte da classe média, segundo os critérios do Instituto Data Popular. Mesmo com os brasileiros que estão na zona de rebaixamento, a projeção é que essa camada da população aumente e chegue a 58% em 2023, ou seja, 125 milhões de pessoas.
— Só que para caber mais gente no andar de cima da pirâmide social será preciso investir e estancar o processo inflacionário estrutural em curso— arremata o economista André Perfeito.
Fonte: O Globo
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