Em 2018, o Ceará já sente o gosto amargo das mortes de 203 jovens incluídos na faixa etária dos 10 aos 19 anos, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) reunidos até o dia 18 de março e apresentados, ontem, pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), durante o I Seminário do Movimento Cada Vida Importa, realizado na Universidade de Fortaleza (Unifor). A informação é do Diário do Nordeste.
Conforme o CCPHA, neste ano, em menos de três meses, já foram mortos 170 meninos e 33 meninas. Os jovens assassinados correspondem a 18,5% do total de 1.095 mortes ocorridas no Ceará, em igual período. Em 2017, ainda segundo o Comitê, houve 981 homicídios de adolescentes no Estado, sendo 80 de adolescentes meninas.
Uma projeção do Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), elaborado pelo Observatório de Favelas, pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), divulgada no ano passado, indica que, entre 2015 e 2021, 4,4 mil jovens poderão perder a vida no Ceará. Em Fortaleza, podem ser até 473 vítimas por ano.
No total, 70% dos homicídios se concentram em sete cidades: Fortaleza, Maracanaú, Caucaia, Eusébio, Horizonte, Juazeiro do Norte e Sobral. Na Capital, acumulam-se na Barra do Ceará, no Grande Bom Jardim, no Jangurussu e no Mucuripe. Quase um terço ocorreu em 52 assentamentos precários da cidade, grandes conglomerados urbanos de 20 mil habitantes por km² "onde falta tudo", de acordo com o relator do Comitê, deputado estadual Renato Roseno.
"A pobreza violenta as famílias e se reproduz nas gerações seguintes", aponta Roseno. "Vivemos numa cidade em que, em média, um adolescente é morto a cada dia". O perfil? Menino, negro, pobre e morador da periferia; 17% das vítimas morrem aos 16 anos, 35% aos 17 e 27% aos 18. "É absurda essa desigualdade social que reflete na identidade dos 'matáveis'", cita a professora de filosofia Sandra Helena de Souza, do Programa Cidadania Ativa da Unifor.
Representantes de 11 universidades cearenses se mobilizaram, em fevereiro deste ano, no "Movimento Cada Vida Importa: a universidade na prevenção e enfrentamento à violência no Ceará". A proposta do grupo é promover, nos próximos meses, seminários e eventos sobre a prevenção e o enfrentamento aos homicídios em diferentes departamentos das universidades.
Desnaturalizar
Outra intenção da iniciativa, segundo a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ângela Pinheiro, do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança (Nucepec), é contribuir para a desnaturalização das mortes de jovens, promovendo uma "disputa de narrativas" por não aceitarem justificativas como a que eles "mereceram" aquele destino, lembrando que a violência letal é "extrema e inaceitável".
"Nós produzimos conhecimento, mas não conseguimos pautar discussões públicas", reforçou Sandra Helena de Souza para um público de mais de 200 pessoas, a maioria pesquisadores de Psicologia e Direito. "'Agir dentro da legalidade e combater as injustiças e iniquidades sociais deveriam ser o eixo condutor de uma política de segurança pública na qual "toda vida importa'", reforça o manifesto assinado pelo Movimento.
O CCPHA apontou 12 recomendações para a prevenção de homicídios; dentre elas, a articulação de redes de apoio às famílias vítimas da violência, qualificação de territórios vulneráveis e oportunidades de trabalho com renda. O Comitê é uma iniciativa da Assembleia Legislativa em parceria com o Governo do Estado e o Unicef.
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