Há um ano, o Senado Federal afastou definitivamente Dilma Rousseff do cargo de presidente da República, em uma sessão histórica de julgamento, por 61 votos a 20. A maioria dos senadores entendeu que ela cometeu crime de responsabilidade contra a lei orçamentária ao descumprir repasses do governo a bancos públicos, as chamadas "pedaladas fiscais", e editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso.
O impeachment da primeira mulher a ocupar a função no País se consumou depois de o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ter iniciado o processo na Casa. Dilma se tornou a segunda presidente eleita após a redemocratização do País a não concluir seu mandato. O primeiro foi o hoje senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL), que sofreu impeachment em 1992.
O segundo mandato de Dilma foi interrompido em um contexto de dificuldades políticas em meio à crise econômica, à queda de popularidade e a escândalos de corrupção envolvendo integrantes de seu governo e de sua base parlamentar. O impeachment também encerrou um ciclo de mais de 13 anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no comando do Executivo. Com a saída de Dilma, assumiu o cargo, de forma definitiva, o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP).
Questionamentos
Para o presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, Renato Perissinotto, o impeachment de Dilma representou uma ruptura da consolidação da democracia brasileira, interrompendo um processo normal de formação de governo.
"Com o impeachment, houve uma quebra das regras gerando uma desconfiança sobre a seriedade das instituições", analisou o professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política e em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Perissinotto considerou que as justificativas do Congresso para a deposição de Dilma foram "desculpas mal ajambradas", o que ficaria claro, na sua visão, com a atual tolerância do bloco majoritário do Parlamento às denúncias contra Michel Temer.
"As posturas partidárias em decisões da Suprema Corte brasileira, como as do ministro Gilmar Mendes, também exemplificam essa sensação de que as regras da democracia não estão sendo respeitadas", observou o cientista político. Há hoje 24 pedidos de impeachment contra Temer na Câmara dos Deputados, mas estão engavetados por decisão do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, o cientista político Jawdat Abu-El-Haj avaliou que o impeachment colocou em questionamento a democracia no Brasil. "Não foi um golpe, mas um processo muito duvidoso", disse. Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia, o professor da UFC apontou a região Nordeste como a mais afetada pela mudança radical nos rumos do governo.
"O Nordeste concentra mais de 60% da pobreza extrema no Brasil. As políticas sociais antes de Temer ajudaram a desenvolver a economia da região. O impeachment deixou o Nordeste mais vulnerável, pois sofre mais pressões pelo clientelismo".
Ele destacou que o atual governo não teria a legitimidade conferida pelas urnas para propor reformas tão drásticas, que trazem um impacto nas próximas três décadas, como as mudanças na legislação trabalhista e nas aposentadorias.
"Não basta ter o apoio da elite política. Ele precisaria de legitimidade maior para tomar medidas de longo prazo. Pelo contrário, a rejeição de Temer é acentuada", comentou o professor.
Fragilização da esquerda
Já o historiador, escritor e professor Airton de Farias analisou que o impeachment mostrou uma fragilidade "grande" das esquerdas no Brasil.
"A esquerda nunca foi hegemônica no Brasil. Tanto que Lula para se eleger teve que fazer concessões e alianças com grupos do poder econômico e político", destacou Airton.
Para o autor do livro "História do Ceará: da Pré-História ao Governo Cid Gomes", os movimentos sociais perderam autonomia durante os governos do PT.
"Havia uma preocupação de controlar os movimentos sociais, que ficaram subordinados à orientação do partido e do governo, perdendo autonomia".
Para o historiador, as reformas sociais implementadas pelo ciclo do PT no poder federal foram "tímidas, mas importantes".
"Como previsto, o impeachment não resolveu a crise política, porque a política não se faz apenas nos partidos nem apenas no Congresso", observou Airton.
Fonte: Diário do Nordeste
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