"Terão
de construir mais 3 celas: para mim, Lula e Dilma", dizia Emilio
Odebrecht, sobre possível prisão do filho. O presidente da Odebrecht,
Marcelo, foi preso nesta sexta
Trecho de reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Desde que o avançar inexorável das investigações da Lava Jato expôs ao
Brasil o desfecho que, cedo ou tarde, certamente viria, o mercurial
empresário Emilio Odebrecht, patriarca da família que ergueu a maior
empreiteira da América Latina, começou a ter acessos de raiva. Nesses
episódios, segundo pessoas próximas do empresário, a raiva –
interpretada como ódio por algumas delas – recaía sobre os dois
principais líderes do PT: a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. A exemplo dos presidentes da Câmara, Eduardo
Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, outros dois poderosos alvos dos
procuradores e delegados da Lava Jato, Emilio Odebrecht acredita, sem
evidências, que o governo do PT está por trás das investigações
lideradas pelo procurador-geral da República,Rodrigo Janot. “Se
prenderem o Marcelo (Odebrecht, filho de Emilio e atual presidente da
empresa), terão de arrumar mais três celas”, costuma repetir o
patriarca, de acordo com esses relatos. “Uma para mim, outra para o Lula
e outra ainda para a Dilma.”
Na manhã da sexta-feira, 19 de junho de 2015, 459 dias após o início da
Operação Lava Jato, prenderam o Marcelo. Ele estava em sua casa, no
Morumbi, em São Paulo, quando agentes e delegados da Polícia Federal
chegaram com o mandado de prisão preventiva, decretada pelo juiz Sergio
Moro, da 13ª Vara Federal da Justiça Federal do Paraná, responsável
pelas investigações do petrolão na primeira instância. Estava na rua a
14ª fase da Lava Jato, preparada meticulosamente, há meses, pelos
procuradores e delegados do Paraná, em parceria com a PGR. Quando ainda
era um plano, chamava-se “Operação Apocalipse”. Para não assustar tanto,
optou-se por batizá-la de Erga Omnes, expressão em latim, um jargão
jurídico usado para expressar que uma regra vale para todos – ou seja,
que ninguém, nem mesmo um dos donos da quinta maior empresa do Brasil,
está acima da lei. Era uma operação contra a Odebrecht e, também, contra
a Andrade Gutierrez, a segunda maior empreiteira do país. Eram as
empresas, precisamente as maiores e mais poderosas, que ainda faltavam
no cartel do petrolão. Um cartel que, segundo a força-tarefa da Lava
Jato, fraudou licitações daPetrobras, desviou bilhões da estatal e pagou
propina a executivos da empresa e políticos do PT, do PMDB e do PP,
durante osmandatos de Lula e Dilma.
Os comentários de Emilio Odebrecht eram apenas bravata, um desabafo de
pai preocupado, fazendo de tudo para proteger o filho e o patrimônio de
uma família? Ou eram uma ameaça real a Dilma e a Lula? Os interlocutores
não sabem dizer. Mas o patriarca tem temperamento forte, volátil e não
tolera ser contrariado. Também repetia constantemente que o filho não
“tinha condições psicológicas de aguentar uma prisão”. Marcelo Odebrecht
parece muito com o pai. Nas últimas semanas, segundo fontes ouvidas por
ÉPOCA, teveencontros secretos com petistas e advogados próximos a Dilma
e a Lula. Transmitiu o mesmo recado: não cairia sozinho. Ao menos uma
dessas mensagens foi repassada diretamente à presidente da República.
Que nada fez.
Quando os policiais amanheceram em sua casa, Marcelo Odebrecht se
descontrolou. Por mais que a iminência da prisão dele fosse comentada
amiúde em Brasília, o empresário agia como se fosse intocável. Desde
maio do ano passado, quando ÉPOCA revelara as primeiras evidências da
Lava Jato contra a Odebrecht, o empresário dedicava-se a desancar o
trabalho dos procuradores. Conforme as provas se acumulavam, mais
virulentas eram as respostas do empresário e da Odebrecht. Antes de ser
levado pela PF, ele fez três ligações. Uma delas para um amigo que tem
interlocução com Dilma e Lula – e influência nos tribunais superiores em
Brasília. “É para resolver essa lambança”, disse Marcelo ao
interlocutor, determinando que o recado chegasse à cúpula de todos os
poderes. “Ou não haverá República na segunda-feira.”
Antes mesmo de chegar à carceragem em Curitiba, Marcelo Odebrecht estava
“agitado, revoltado”, nas palavras de quem o acompanhava. Era um
comportamento bem diferente de outro preso ilustre: o presidente da
Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo. Otávio Azevedo, como o clã Odebrecht,
floresceu esplendorosamente nos governos de Lula e Dilma. Tem uma
relação muito próxima com eles – e com o governador de Minas Gerais, o
petista Fernando Pimentel, também investigado por corrupção, embora em
outra operação da PF. Otávio Azevedo se tornou compadre de Pimentel
quando o petista era ministro do Desenvolvimento e, como tal, presidia o
BNDES.
Não há como determinar com certeza se o patriarca dos Odebrechts ou seu
filho levarão a cabo as ameaças contra Lula e Dilma. Mas elas metem medo
nos petistas por uma razão simples: a Odebrecht se transformou numa
empresa de R$ 100 bilhões graças, em parte, às boas relações que criou
com ambos. Se executivos da empresa cometeram atos de corrupção na
Petrobras e, talvez, em outros contratos estatais, é razoável supor que
eles tenham o que contar contra Lula e Dilma.
A prisão de Marcelo Odebrecht encerra um ciclo – talvez o maior deles –
da Lava Jato. Desde o começo, a investigação que revelou o maior esquema
de corrupção já descoberto no Brasil mostrou que, em 2015, é finalmente
possível sonhar com um país com menos impunidade. Pela primeira vez,
suspeitos de ser corruptores foram presos – os executivos das
empreiteiras. Antes, apenas corruptos, como políticos e burocratas, eram
julgados e condenados. E foi precisamente esse lento acúmulo de
prisões, e as delações premiadas associadas a elas, que permitiu a
descoberta de evidências de corrupção contra Marcelo Odebrecht, o
empreiteiro que melhor representa a era Lula. Foram necessárias seis
delações premiadas, dezenas de buscas e apreensão em escritórios de
empresas e doleiros e até a colaboração de paraísos fiscais para que o
dia 19 de junho fosse, enfim, possível.
As provas contra a Odebrecht
Os documentos obtidos pela Lava Jato mostram como a empreiteira seguiu o
roteiro de obras superfaturadas e obteve informações privilegiadas para
acertar contratos com a Petrobras.
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