Ao todo, 1.206 prédios compõem a rede pública de ensino. Nas escolas estaduais, são atendidos 400 mil alunos
Para sindicato, quantidade de profissionais que se forma não é suficiente ( Foto: Érika Fonseca )
Da precariedade na infraestrutura até a desvalorização salarial. A vida de quem opta por lecionar é repleta de desafios sentidos no cotidiano, o que, muitas vezes, motiva a evasão de professores das salas de aula. No Ceará, de janeiro de 2013 a agosto deste ano, 2.631 professores saíram da rede pública de ensino, incluindo escolas da Prefeitura de Fortaleza e do Governo do Estado do Ceará.
O número assusta, mas pode ser compreendido por englobar pedidos de exoneração e aposentadorias. Apenas nas escolas municipais de Fortaleza, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação (SME), durante o período mencionado, 192 professores foram desligados. Já para outros 1.296 chegou a hora de se aposentar. As estatísticas ganham força em 2014, ano em que dos 1.296, um total de 941 se aposentou e 76 se desvincularam das escolas municipais, por diversas razões.
Nos colégios de nível médio, sob a responsabilidade da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), a situação não é diferente. Com uma rede composta por 705 escolas com o atendimento de mais de 400 mil alunos, 243 professores pediram para sair da rede e, em média, 270 profissionais se aposentaram a cada ano, afirma a assessoria da Pasta.
O presidente do sindicato da Associação dos Professores de Estabelecimentos Oficiais do Ceará (Apeoc), Anízio Melo, ressalta que os números alarmantes se repetem em todo o Brasil. Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), no País, há uma carência de 250 mil professores para atuar nas salas de aulas, principalmente, na área de ciências.
"A quantidade de profissionais que se forma não é suficiente para atender a demanda. Pelo fator salarial, há muitos abandonos. Houve uma evolução na estrutura das escolas, mas ela não é universalizada. Em Fortaleza, encontramos situações muito complexas", garante o presidente, que acrescenta a dificuldade de relacionamento com os estudantes em uma sala lotada.
Para muitos, a estabilidade de um concurso público junto ao sonho de uma renda mensal garantida já não são atrativos suficientes para atuar dentro das salas de aula.
Hoje, o professor que ingressa na rede municipal e está no início de carreira, recebe R$ 14,11 por hora/aula ministrada. Nas escolas governamentais, o docente nas mesmas condições ganha R$ 2.840,17, mais auxílio transporte e vale alimentação.
Relato
A professora de química Kelly Araújo Leite, aprovada, pela primeira vez, em um concurso público promovido em 2003 pela Seduc não chegou a assumir o cargo que, na época, somava 200 horas mensais, equivalente a dois turnos de trabalho, de segunda-feira a sexta-feira.
Kelly conta que em 2010 resolveu prestar novamente o concurso, desta vez, chegando a assumir. Três meses foi tempo para abandonar o cargo. Lotada em uma escola no bairro Siqueira, o perigo e as condições inapropriadas determinaram que a mais nova concursada fosse à Pasta pedir exoneração. "Tudo no entorno da escola era extremamente perigoso. Eu trabalhava de 13h às 22h. Não tinha condições de dar aula, não tinha livro, nem pincel. Eu decidi sair quando um aluno quebrou a cadeira nas costas de um professor e outro entrou armado para assistir aula. A Seduc não queria aceitar minha exoneração e alegaram que tinha pouco professor de Química, mas eu não aguentava mais", conta. Em 2013, a professora decidiu tentar mais uma vez pela oferta de um melhor salário. Pela terceira vez, foi aprovada. "Agora, trabalho em uma escola no Montese. Lá tem seus problemas, como a falta constante de pincel e folha de papel ofício, mas a equipe é boa e faz de tudo para dar certo", ressaltou.
Conforme Giovanna França, coordenadora de Gestão de Pessoas, da Seduc, as condições de trabalho nas escolas mudaram. "Houve uma melhoria das condições de trabalho nas escolas em ambientes adequados e equipados para as atividades de estudos, planejamento e reuniões de trabalho", ressalta.
Consequências
O diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Ceará (Sindiute) Wellington Monteiro ressalta que uma das consequências no afastamento dos professores das salas de aula é o acúmulo de funções para outros funcionários. "O prazo de 15 dias para sair um professor e entrar outro nunca foi cumprido. Tem turma que fica sem professor de matemática o ano todo. Mesmo sem ter aula, os alunos não podem voltar para casa. Essa determinação é correta, mas acaba sobrando para o coordenador pedagógico ter que ficar com a turma. Estamos alertando a Prefeitura para que esse coordenador não se torne um professor substituto de luxo".
Reconhecendo o déficit de professores em Matemática, Português e Inglês, a gerente da Célula de Política de Formação de Pessoas da SME, Roberta Batista, afirma que a contratação de professores temporários supre o problema, parcialmente, já que, de segunda à sexta-feira, há professores tirando licença. "A gestão escolar se organiza para não deixar o aluno voltar para casa. A situação dos coordenadores ficarem em sala diminui substancialmente com a presença dos professores substitutos, mas não conseguimos zerar essa carência. São problemas que dependem da saúde do professor naquele dia", conta a gestora.
Dados
Atualmente, conforme dados da SME, há 8.254 professores efetivos e 2.824 substitutos nas salas de aulas dos 501 prédios da rede de ensino pública municipal - inclusas escolas patrimoniais, escolas especiais, creches conveniadas e anexos - com 195.443 alunos regularmente matriculados. Até agosto de 2015, 342 docentes estavam afastados por licença. Em maioria, o número se deve à disfonia (alteração ou enfraquecimento na voz), problemas psicológicos, psiquiátricos ou ortopédicos.
Para o presidente da Apeoc, a necessidade do afastamento se deve à ausência de política pública de saúde preventiva para os docentes. "Quando o professor vai para a sala de aula, ele vai desconectado das condições de trabalho e sem habilidade para utilização da voz. Eles também acabam se deparando com a violência. São muitos os problemas sociais e não há um suporte nas escolas", garante o presidente.
A gerente da Célula de Política de Formação de Pessoas da SME assegura que existe um treinamento prático disponibilizado para os professores que ingressarão na rede. Roberta Batista afirma que antes de assumirem, há uma semana de formação intensiva. "É realizada uma vivência sobre a vida docente, perfil do aluno da rede municipal, sala de aula e planejamento. Já em atividade, os docentes passam por formações mensais", conta a responsável pela célula.
Fonte: Diário do Nordeste
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