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segunda-feira, 27 de julho de 2015

Casal mora em cemitério na Região Metropolitana do Rio sem água nem luz


Buraco no muro é a porta da casa de Angela Regina, nos fundos do Cemitério São Miguel
Buraco no muro é a porta da casa de Angela Regina, nos fundos do Cemitério São Miguel Foto: Jorge Casagrande / Agência O Globo
Wilson Mendes
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Angela Regina dos Santos, de 51 anos, encontrou entre os mortos a sua morada. Trocou, há mais de 30 anos, as calçadas onde dormia por um terreno nos fundos do Cemitério de São Miguel, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, e fez do campo santo o seu quintal. Apesar da vida entre os mortos, não falta a ela vivacidade.
— Passo o dia arrumando as coisas aqui ou então saio para conseguir comida, mas prestando atenção para voltar antes de o cemitério fechar. Ficar do lado de fora é perigoso porque as pessoas fazem covardia com quem dorme na calçada — garante a mulher, que nasceu em Niterói mas trocou a cidade pelas ruas de São Gonçalo.
O passado, ela enterrou junto com a última parente que tinha, uma irmã.
— Não gosto de falar disso. Dos meus pais — confessa, com olhar perdido nas pessoas que acompanham um funeral: — Não tenho parente e aqui é o meu lar. Claro que eu queria ter uma casa boa, um lugar pra cair morta — brinca, já com um sorriso largo que modifica o semblante.
Angela e o companheiro Eduardo têm poucos objetos dentro da casa
Angela e o companheiro Eduardo têm poucos objetos dentro da casa Foto: Jorge Casagrande / Agência O Globo
Durante a conversa, às vezes descontraída demais para se ter em meio a túmulos, Angela apresentou sua única família: o companheiro Ancelmo Eduardo Jorge, de 47 anos, que ela chama de Bigode; e o Fera, um grande gato malhado. Filhos, não. Depois de um aborto espontâneo, nunca mais engravidou.
Apesar de ser uma marquise abandonada no fim do cemitério, sem água ou luz, a “casa” é bem cuidada. A cama está sempre feita e os móveis, ornados com flores emprestadas pelos mortos. O espaço também é aberto aos amigos, como Élio, que às vezes pernoita com o casal. Em comum, os três têm a dependência de álcool.
— Sou casado, mas hoje sou só amigo da minha mulher. Fico no cemitério com Angela e saio todo dia para trazer comida. Vendo papelão, ferro, o que tiver — conta Bigode, o chefe da casa.
Renascimento possível
Apesar de tudo, o trio já vê uma luz no fim do túnel. E não é uma experiência de quase-morte. Pelo contrário: no primeiro semestre deste ano, Angela conseguiu sua certidão de nascimento. O documento veio acompanhado do RG e da esperança em um futuro menos fúnebre.
Angela caminha no seu quintal: assombrada pelos temores
Angela caminha no seu quintal: assombrada pelos temores Foto: Jorge Casagrande / Agência O Globo
Os documentos foram fornecidos pela Prefeitura de São Gonçalo, que trabalha para retirá-los dessa situação. Não é permitido ficar em um cemitério fora do horário de funcionamento. Médicos também foram ao local. Élio chegou a participar de programa de desintoxicação do vício em álcool, mas desistiu. Angela recusou o abrigo:
— Eu já fui, mas fico melhor aqui — diz.
A prefeitura ressalta que Angela não vive no terreno do cemitério e informa que a documentação, quando pronta, fará com que ela possa ter acesso a benefícios sociais, como o “Minha casa, minha vida”, se continuar com os trâmites. Enquanto há vida, há esperança.


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