É inadmissível a tese da legítima defesa da honra, visto que pautada por ranços machistas e patriarcais, que fomentam um ciclo de violência de gênero na sociedade.
A conclusão é do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes ao votar pela inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra. O voto foi proferido na ADPF 779 que discute a aplicação da tese pelo Tribunal do Júri.
No voto, o ministro reconhece que vivemos em uma sociedade marcada por relações patriarcais, "que tenta justificar com os argumentos mais absurdos e inadmissíveis as agressões e as mortes de mulheres, cis ou trans, em casos de violência doméstica e de gênero".
Neste cenário, segundo Gilmar, defesas e jurados usam a tese para tentar justificar, "manifestamente de modo absurdo e inadmissível, atos aberrantes de homens que se sentem traídos e se julgam legitimados a defender a sua honra ao agredir, matar e abusar de outras pessoas". Ele concluiu, portanto, pela abusividade da tese.
Além disso, Gilmar afirmou que a inaplicabilidade da tese deve valer para todos os envolvidos no julgamento, incluindo o magistrado. "Por questão de isonomia e paridade entre as partes, a limitação argumentativa assentada nesta ADPF deve ser aplicável a todos os envolvidos na persecução penal, e não somente à defesa", disse.
Com isso, ele acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli, sobre a nulidade do ato e do julgamento quando houver a veiculação da tese, mas divergiu apenas com relação à aplicação da decisão a todas as partes processuais (Toffoli votou para que a decisão abrangesse apenas as defesas dos réus).
Por fim, o ministro citou livro recém-lançado pelos professores Rodrigo Faucz e Daniel Avelar que trata, entre outros, da importância da ata da sessão de julgamento e da gravação audiovisual da sessão, de modo registrar os debates, alegações e fundamentos das partes: "Somente assim será possível o devido controle em plenário do Júri."
Teses
Gilmar Mendes propôs as seguintes teses: "Firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, porquanto contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (artigo 5º, caput , da CF); conferir interpretação conforme à Constituição aos artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao artigo 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e, por consequência, obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases préprocessual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento".
O caso
A ADPF foi ajuizada pelo PDT, que pede para que seja afastado o entendimento da legitima defesa da honra e que se dê interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 483, III, § 2º, do Código de Processo Penal.
O partido sustenta que a matéria gera controvérsia já que alguns tribunais de Justiça têm entendimentos diferentes sobre vereditos do Tribunal do Júri em que se absolvem réus processados pela prática de feminicídio com fundamento na tese da legítima defesa da honra.
Na semana passada, o relator, ministro Dias Toffoli, proferiu voto pela inconstitucionalidade da legítima defesa da honra. Para ele, a traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas, sendo que tanto homens quanto mulheres estão suscetíveis de praticá-la ou de sofrê-la.
"Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo que se falar em um direito subjetivo de contra ela agir com violência. Aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa", afirmou.
ADPF 779
(CONJUR)
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