Artesão e músico era o último integrante de sua geração da banda 'Irmãos Aniceto', criada no século XIX pelo avô. Mestre da cultura Raimundo Aniceto estava internado há cinco dias com problemas cardíacos e descobriu a Covid-19 no hospital. Augusto Pessoa O mestre da cultura Raimundo José da Silva, o Raimundo Aniceto, morreu aos 86 anos, em Crato, no interior do Ceará, vítima da Covid-19. Ele estava internado com problemas cardíacos desde o último sábado (10), no Hospital São Camilo, e faleceu na quinta-feira (15). O artesão, músico e brincante era o mais antigo dos integrantes vivos da tradicional Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, que possui dois séculos de história. Segundos os familiares, Raimundo Aniceto estava doente há 22 dias por problemas no coração, mas a Covid-19 só foi descoberta no hospital. Antes da internação, três exames realizados em sua casa deram negativo. Há quatro anos, o artesão já havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC) que prejudicou sua dicção. Hospitalizado há cinco dias, teve falência múltipla dos órgãos. Seu enterro acontece às 10h, no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Crato. Antes, em frente ao local do sepultamento, acontece um cortejo, comandado pelos remanescentes do grupo. Mestre da Cultura reconhecido pela Secretaria de Cultura do Ceará (Secult) desde 2004, Raimundo era o último integrante vivo da geração dos Irmãos Aniceto formada pelos filhos de José Lourenço da Silva e Maria da Conceição. O avô do artesão criou a banda no século XIX, ao pé da Chapada do Araripe. Agora, os sobrinhos de Raimundo permanecem à frente do grupo. Nascido em 14 de fevereiro de 1934, Raimundo começou a tocar na banda aos seis anos de idade, junto com seus irmãos, pai e primos. Todos os instrumentos utilizados pelo grupo eram fabricados à mão pelos próprios integrantes. Os pifes eram feitos de taboca e a zabumba fabricada com timbaúba e couro de bode. A produção deste último sempre foi tarefa do mestre da cultura. O sucesso dos Irmãos Aniceto fez com que eles realizassem uma turnê na Europa, com apresentações de sucesso em Portugal e na Espanha, em 2004. Em agosto do ano passado, foi inaugurado o museu orgânico do Mestre Raimundo Aniceto, projeto do Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc/CE), em parceria com a Fundação Casa Grande de Nova Olinda, que tornou a casa de Raimundo em espaço para visitação e preservação da história do grupo e seus instrumentos artesanais. Legado Para o cantor, ator e produtor cultural João do Crato, a Banda Cabaçal é a essência da tradição da ancestralidade no Cariri e a presença de Raimundo sempre foi fundamental. “Ele sempre foi um dos grandes mestres empenhados a preservar o que vinha da oralidade, dos mais antigos, do seu pai, mas também mantinha muito a história de se reinventar. Tinha uma infinidade de peças, cânticos e apresentações”, descreve. João classifica Raimundo como “um menino ‘véio’ brincante”. “Aquela energia, do curumim, dos indígenas. O que mais me lamenta é que essa magia, esse canto, vai se quebrando e eles davam passagens a estes elementos. Nunca o vi triste. Mesmo nas contradições, nas inúmeras viagens que fizemos, sempre teve uma coisa de alegria, a alegria de representar. A partida é dolorosa. Mas vamos ficar raiado nessa luz que ele deixou”, finaliza.
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