quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Detentos são internados com doença misteriosa que 'come' pele


Uma doença misteriosa que causa paralisia, necrose de membros e coceira intensa deixou 29 detentos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, internados no Hospital Geral de Roraima, o maior do Estado. Destes, 15 tratam a enfermidade causada por uma suposta bactéria; os outros foram diagnosticados com outras doenças contagiosas - que teriam sido intensificadas pela falta de limpeza e pela superlotação da unidade prisional.

A bactéria desconhecida tem deformado partes do corpo dos detentos, "comido" a pele e deixado membros em estado de decomposição. Os presos afetados também apresentam paralisia nas pernas.

Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de Roraima (OAB/RR), Hélio Abozago, alguns detentos já não conseguem mais andar ou dobrar a perna por causa do inchaço e das feridas causadas pela doença.

Um dos profissionais que atua no hospital e pediu para não ser identificado, com receio de represália, disse que a doença dos presos não é desconhecida do setor. "O nome correto é fasceíte necrosante. É uma bactéria comedora de carne humana, altamente contagiosa e de difícil cura", afirmou. "Pior de tudo: vai contaminar as pessoas que estão no hospital, pois estes presos estão no corredor, junto com todos os outros doentes. Não existe isolamento, muito menos escolta policial, e o odor é insuportável. Um perigo para todos", disse.

A Secretaria de Estado da Saúde de Roraima (Sesau/RR) informou, em nota, que as análises laboratoriais feitas pela Coordenação Geral de Vigilância em Saúde descartaram a hipótese de bactéria não identificada.

"Os casos relatados pela direção clínica do HGR (Hospital Geral de Roraima) se tratam puramente de piodermite, do tipo impetigo, que é uma infecção de pele oportunista, que ocorre quando já existe uma lesão de pele tipo escabiose", afirmou a pasta. "Os presos teriam passado por atendimento de infectologista e dermatologista, e estão recebendo tratamento com antibióticos e reposição de vitaminas. Exames diários e tratamento continuado estão sendo feitos."

À reportagem, a estudante Suellen Araújo contou a história do irmão Diego, de 20 anos, que foi preso acusado de tráfico de drogas. Após quatro meses no presídio, localizado na zona rural de Boa Vista, os sintomas da doença começaram a aparecer.

"Ele está há sete dias em tratamento, mas ainda não sabemos o que tem. O corpo está todo cheio de feridas e não consegue ficar em pé. Algumas partes do corpo estão escuras, necrosadas e, assim como ele, outros detentos estão aqui no corredor do hospital na mesma situação", denunciou. "Queremos apenas que ele seja tratado decentemente. Lá, não tem condição. Estava usando o mesmo uniforme desde o dia em que foi preso quatro meses atrás, sem nunca ter sido lavado."

Interdição

A família tenta, com o auxílio da Defensoria Pública, que Diego obtenha direito à prisão domiciliar por causa da doença. O Ministério Público de Roraima pediu a interdição parcial do presídio, que está com apenas uma ala em funcionamento e tem capacidade para 480 detentos, apesar de abrigar 2.074 presos.

A reforma da unidade prisional está paralisada desde o ano passado. Celas com dimensões de seis metros quadrados abrigam, em média, 17 presos, que se amontoam no espaço. O local não tem ventilação nem limpeza, segundo relatório da Defensoria Pública de Roraima e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RR, ao qual a reportagem teve acesso.

Na manhã desta terça-feira, 21, representantes do MP, da Defensoria Pública e das Secretarias Estaduais de Justiça e de Saúde estiveram reunidas na Vara de Execuções Penais, do Tribunal de Justiça de Roraima, para tratar sobre o surto no sistema prisional.

Com informações Estadão Conteúdo

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