sábado, 2 de fevereiro de 2019

Adolescentes recebiam R$ 5 mil para participar de ataques criminosos, segundo juiz

Na sala de espera da 5ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, um grupo de adolescentes se amontoava à espera de ser atendido pelos juízes. Sob o olhar atento de três policiais militares e mesmo com chances de serem encaminhados para a internação em centros socioeducativos, os infratores aparentavam não se importar com a situação e não se arrepender dos atos que cometeram.

O titular da Vara em questão, juiz Manuel Clístenes, conta que as reações observadas pela reportagem na tarde do dia 30 de janeiro de 2019 se tornaram ainda mais comuns, desde que os adolescentes passaram a ser capturados sob a suspeita de participar dos ataques iniciados na primeira semana deste ano. "Sem esboçar culpa e até mesmo debochando da situação, contando vantagem de ter ganho dinheiro com aquilo", definiu o juiz Manuel Clístenes.

Conforme dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), 466 pessoas foram apreendidas por estarem supostamente envolvidas nas últimas ações contra o Estado. Destas, 318 são adultas e 148 adolescentes. Ou seja, até o último levantamento divulgado pela Pasta, cerca de 30% dos participantes dos ataques eram menores de idade.

Nos atendimentos diários, Clístenes conta ter percebido que, durante o mês de janeiro, os adolescentes infratores também focaram suas ações para os atentados. Segundo o magistrado, essa decisão não partiu dos jovens, e sim de criminosos do alto escalão que, para atrair um maior número de participantes, estipulavam valores, variáveis conforme a gravidade do atentado.

"Alguns adolescentes chegaram a reclamar que o tráfico de drogas teve que ficar parado por conta dos ataques. Chega a ser cômico ouvirmos isso. Nas audiências, eles mencionaram alguns valores que ganharam pelas ações. Quanto maior o prejuízo que causassem, maior a recompensa. Se incendiasse um ônibus recebiam R$ 1 mil, se incendiassem alguma garagem, chegava a R$ 5 mil. Eles participaram de diversos ataques, até mesmo contra viadutos e pontes", afirmou Clístenes.

Perfil

O titular da 5ª Vara da Infância e Juventude indicou que o perfil dos adolescentes envolvidos nos ataques é bem delimitado. A maioria deles é do sexo masculino e da periferia. Clístenes tem conhecimento que foram decretadas pelo menos 78 internações de adolescentes apreendidos pelas ações de janeiro de 2019. 90% deles são homens.

O número de jovens capturados e internados levantou a preocupação do Centro de Defesa da Criança e do Adolescentes (Cedeca) a respeito de uma possível volta da superlotação nos centros socioeducativos e desrespeito às garantias de direitos. De acordo com a assessora jurídica do Cedeca, Dillyane Ribeiro, na prática, se percebe que há internações determinadas sem cumprir os requisitos.

"Temos uma preocupação histórica com o alto nível de internações provisórias no Ceará. O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que um dos requisitos é a gravidade do ato infracional. A privação de liberdade deve ser exceção. A gente vinha conseguindo manter no sistema de 700 a 800 internos. Nesse período de ataques, chegamos a 895", informou Dillyane.

Manuel Clístenes pontuou que a determinação pela internação vem acontecendo nos casos em que há provas do envolvimento do adolescente no ataque. O juiz garante que devido aos outros tipos de atos infracionais terem caído, a superlotação não aconteceu. "Eles estão com esforços concentrados em outra coisa. Não tenho a menor dúvida de que há um número ainda maior de adolescentes envolvidos. A Polícia não teve condições de encontrar todos. Aparentemente, eles não têm noção da gravidade desses atos infracionais", disse o magistrado.

Foco

Dillyane Ribeiro enfatizou que a captura dos adolescentes significa que as autoridades estão com foco no grupo errado. "Estão capturando os que estão lá na ponta. Mas e quem está lá em cima? Quem está no comando? Precisamos ir na raiz. Se temos uma quantidade grande de adolescentes envolvidos nessas ações, isso é um atestado de que temos falhado como sociedade. Precisamos saber quais são as políticas públicas a fortalecer a educação desse jovens e para evitar isso, já que o cárcere não vem adiantando", frisou a assessora jurídica do Cedeca, Dillyane Ribeiro.

A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), responsável pelos centros socioeducativos, informou em nota que "a recepção de adolescentes apreendidos obedece rigorosamente aos padrões de segurança previamente estabelecidos pelos protocolos de gestão". Ao todo, há no Ceará 17 centros socioeducativos. No último dia 28, adolescentes queimaram colchões em um motim no Centro Educacional Patativa do Assaré, na Capital. Com informações do Diário do Nordeste.

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