O primeiro sinal de que o Estado planejava a instalação foi em 2002. Desde lá, outros projetos surgiram, mas nenhum saiu do papel.
A prisão não é impedimento para que muitos detentos continuem cometendo crimes. O principal meio utilizado pelos criminosos, há décadas, é o telefone celular. Sabendo disso, há quase duas décadas, os cearenses escutam promessas sobre o bloqueio de sinal dos aparelhos nos presídios, mas os governos que geriram o Estado nos últimos 16 anos não bancaram, por conta própria, a instalação definitiva de bloqueadores.
A primeira promessa de instalação de bloqueadores no Estado foi feita em 2002, pela titular da Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) na época, Sandra Dond. O interesse pela tecnologia foi revelado após uma rebelião no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS). Alguns estados tinham recebido o equipamento do Governo Federal.
Entretanto, o primeiro teste de equipamentos deste tipo foi realizado no Ceará somente em 2009. O então titular da Sejus, Marcos Cals, comandou o experimento, em 26 de novembro daquele ano, no Instituto Penal Professor Olavo Oliveira (IPPOO) II, em Itaitinga. O teste foi realizado com sucesso e os celulares dos convidados não realizaram nem receberam ligações dentro do presídio.
Apesar do resultado positivo com 22 células bloqueadoras instaladas por uma empresa chinesa, Cals explicou que o projeto tinha que passar por uma licitação pública e que, depois, seria implantado em todas as unidades prisionais do Estado. Entretanto, o plano não passou de um teste.
Em março de 2013, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), através de decisão do juiz Hortêncio Augusto Pires Nogueira, acatou o pedido do Ministério Público do Ceará (MPCE) para que os aparelhos fossem instalados em todos os presídios cearenses em um prazo de 90 dias. Porém, a decisão judicial foi invalidada.
O desejo da instalação da tecnologia também era partilhado pela titular da Sejus na época, Mariana Lobo, que prometeu a interrupção do sinal em pelo menos um presídio, até o fim daquele ano. O sistema seria desenvolvido pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE), mas também não foi posto em prática.
Polêmica
Os projetos que nunca saíram do papel, em detrimento da necessidade óbvia que o sinal fosse cortado nas unidades prisionais, levaram à criação de uma lei estadual, em março de 2016. Contudo, o projeto acabou por gerar uma polêmica ao tentar obrigar as operadoras de telefonia celular a criarem uma espécie de ‘sombra’, que não permitisse seus sinais de chegarem aos estabelecimentos prisionais, excluindo a responsabilidade do Estado de instalar os próprios aparelhos.
A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) entrou com uma ação contra a lei estadual, alegando que a função das empresas é prover sinal telefônico e não bloqueá-lo, e que o corte da rede iria prejudicar consumidores que vivem nos arredores dos presídios.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em favor da Acel e derrubou a validade da lei do Ceará, e de outros projetos similares que tramitavam na Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina, ainda em 2016.
Na contramão desses estados, o Rio Grande do Norte instalou bloqueadores de sinal por conta própria, em quatro unidades prisionais, no mesmo ano. Com a implantação dos bloqueadores no primeiro presídio, de Parnamirim, os criminosos reagiram de forma violenta, no Estado potiguar.
Em três dias, foram registrados 47 ataques a veículos e prédios públicos. Um carro-bomba foi detonado em um supermercado de Natal, ferindo duas pessoas. O Estado pediu apoio ao Exército Brasileiro para controlar a situação. Mesmo após a represália, o Governo manteve o plano e instalou os bloqueadores em mais três presídios.
Lei federal
Os bloqueadores podem finalmente ser instalados nas unidades penitenciárias do País, por determinação de um projeto de lei federal. A proposta foi aprovada no Senado, por unanimidade, no dia 7 de fevereiro, e seguiu para a Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada, a lei irá destinar recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para a instalação e manutenção de aparelhos que bloqueiam sinais de telecomunicação. Os estados terão até seis meses para colocar a medida em prática.
A Sejus revelou que, desde a decisão do STF pelo veto à lei estadual, em 2016, não existem projetos para a instalação própria de bloqueadores no Ceará. Questionada sobre o projeto de lei federal, a Pasta explicou que vai esperar a promulgação para se manifestar.
Apreensões
Um total de 5.892 celulares foi apreendido nas unidades carcerárias do Ceará, em 2017. O número representa um aumento de 31,7% nas apreensões, em relação ao ano de 2016, que registrou 4.473 aparelhos retidos. A Sejus disse utilizar outras tecnologias para prevenir a entrada de celulares.
“Primeiramente, a entrada de celulares não é permitida. São utilizados ‘body scanner’ e Raio X nos dias de visita, nos presídios e nas maiores cadeias públicas do Ceará. De vez em quando, fazemos vistorias nas celas. Ainda entram celulares, principalmente no Interior do Estado, onde não existem muitos artifícios para frear isso”, ponderou a Pasta.
A Secretaria citou o ‘rebolo’ (termo usado no Sistema Penitenciário para definir objetos ilícitos jogados por cima das muralhas) como um dos principais caminhos para a entrada dos celulares nos presídios. Porém, agentes penitenciários são presos, todos os anos, por ingressarem nas unidades com aparelhos telefônicos ou facilitarem a entrada dos mesmos, para uso dos detentos.
O presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Ceará (Sindasp), Valdemiro Barbosa, afirmou que os servidores que cometem esse crime “são exceções à regra” e também acredita que a maior entrada de ilícitos se dá pelo ‘rebolo’.
Unanimidade
A Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB-CE), o Conselho Penitenciário do Ceará (Copen) e o Sindasp são unânimes em dizer que a instalação dos bloqueadores de sinal de celular é necessária.
O presidente da Comissão de Direito Penitenciário da OAB-CE, advogado Márcio Vitor de Albuquerque, destacou a importância de a lei ser federal: “É necessário o bloqueio de caráter federal, até mesmo para haver uma padronização do sistema, juntamente com as empresas de telefonia”.
Já o presidente do Copen, advogado Cláudio Justa, ponderou que o Estado poderia ter tomado medidas mais eficazes, por conta própria, para proibir o uso de celulares nos presídios. “O ideal era impedir a entrada de celulares. O Estado já poderia ter feito isso, tem condições técnicas totais. Não entendi o porquê dessa história de transferir a responsabilidade para as operadoras”.
Valdemiro Barbosa concorda que o bloqueio já era para ter sido feito: “É uma lei necessária. Falo pelo Sistema Penitenciário do Ceará, onde a gente sabe que, com a estrutura e efetivo existentes, é impossível fazer a fiscalização necessária. Os presos estão usando esse instrumento para articular crimes”.
Instituições alertam para represálias de facções
Apesar de serem favoráveis à instalação dos bloqueadores de sinal de celulares nos presídios, os representantes do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen) e do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Ceará (Sindasp) acreditam que a medida levará a uma forte represália das facções, como aconteceu no Rio Grande do Norte. O sistema cearense já entrou em ebulição uma vez, após anúncio de cortes no sinal.
“Resta saber se o Estado vai colocar em prática essa medida e ter um reforço na segurança. A violência está muito restrita à periferia, mas o bloqueio dos celulares pode causar uma violência mais sistêmica, geral. Não sei se o Estado está pronto para isso”, declarou o presidente do Copen, Cláudio Justa.
Além da violência nas ruas, o presidente do Sindasp, Valdemiro Barbosa, pontua que a retaliação dentro dos presídios deve ser violenta. “Eu faço um alerta que já fiz no ano de 2015. Se o Governo não estruturar o Sistema Penitenciário, as facções criminosas vão reagir e destruir as unidades prisionais do Estado”, pontuou.
As duas instituições lembraram da onda de violência que tomou o Ceará, após a assinatura da lei que obrigava que as operadoras de celulares bloqueassem o sinal nas unidades carcerárias, em 2016.
“A questão é que terá uma represália do crime, como aconteceu outras vezes. Foi assim quando teve a lei estadual. Colocaram um carro-bomba ao lado da Assembleia Legislativa, ônibus foram incendiados, delegacias e a própria sede da Sejus foram atacadas”, afirmou Cláudio Justa.
Crise
A lei estadual, somada à greve dos agentes penitenciários, levou à maior crise da história do Sistema Penitenciário do Ceará, em maio daquele ano. As facções criminosas se rebelaram e entraram em confronto, causando a morte de 14 presos, no Complexo Penitenciário de Itaitinga. Muitos detentos aproveitaram o momento para fugir e para depredar as unidades prisionais, causando danos que não foram reparados até hoje.
Em abril de 2017, o Ceará presenciou a maior onda de ataques criminosos de sua história. Mais de 20 ônibus e veículos oficiais foram incendiados e delegacias da Polícia Civil, agências bancárias e prédios públicos atacados. A facção Guardiões do Estado (GDE) reivindicou a autoria dos crimes e mostrou poderio em decisões dentro dos presídios, ao exigir a transferência de presos e ser atendida nos dias seguintes..
O presidente do Sindasp afirmou que o efetivo de agentes penitenciários do Ceará é insuficiente para preservar a segurança dentro dos estabelecimentos prisionais, o que seria ainda mais agravado se o Sistema enfrentasse mais uma sequência de rebeliões.
“Temos um déficit de 3,6 mil agentes penitenciários para fazer a segurança interna e externa. Hoje, temos em atividade 2.210 agentes penitenciários, que se dividem em quatro plantões, custodiando 28 mil presos. Precisamos de mais efetivo e armamento para darmos segurança”, alertou Barbosa.
FONTE: D N