terça-feira, 19 de setembro de 2017

Pesquisadores da USP usam planta brasileira para matar células com HIV


Uma trepadeira nativa do Nordeste contém uma proteína que, quando ligada a um anticorpo, é capaz de atacar apenas as células doentes, preservando as sadias (Foto: Reprodução)


Pesquisadores da USP, em parceria com a Universidade de Louisiana, nos Estados Unidos, conseguiram um feito inédito: matar células infectadas com HIV, inclusive as "adormecidas", sem causar danos a células saudáveis.

A imunotoxina desenvolvida pelos cientistas matou 90% das células doentes em apenas dez minutos, em laboratório. "A pesquisa foi bem-sucedida, mas ainda há uma longa fase de testes para ela que possa ser validada como terapia em humanos", explica o professor Francisco Guimarães, supervisor do estudo no Instituto de Física da USP de São Carlos, interior de São Paulo.

Utilizada na imunoterapia, a imunotoxina é uma associação entre um anticorpo e uma toxina. No caso deste trabalho, este complexo é composto por um anticorpo que reconhece células infectadas pelo vírus HIV e pela toxina pulchellina, proteína extraída de uma trepadeira nativa do Nordeste, a Abrus pulchellus tenuiflorus. A imunotoxina realiza um "trabalho em equipe": o anticorpo localiza a célula doente e a toxina, mata.

De acordo com o físico biomolecular Mohammad Sadraeian, autor do projeto, os medicamentos atuais para o tratamento de HIV, chamados de terapia antirretroviral, diminuem a quantidade do vírus no sangue, porém não atuam nos que estão ocultos no organismo.

"Existem imunotoxinas no mercado que são eficazes para tratamento de células cancerosas. Mas elas não são capazes de matar células adormecidas, como as células infectadas pelo HIV", explica.

De acordo com o Ministério da Saúde, há 827 mil pessoas portadoras de HIV, vírus causador da Aids, no Brasil. No mundo, 36,7 milhões de pessoas vivem com a doença, segundo dados da Unaids, programa da ONU para o combate do HIV.

Plantas venenosas com potencial de cura

Além da trepadeira utilizada neste estudo, outras plantas com alta toxicidade presentes na flora brasileira dispõem de potencial para tratamento de doenças, como o HIV.

"Se ligadas a um anticorpo específico, como fizemos, a ricina, proteína da mamona, e a abrina, do jequiriti, teriam potência para tratamento, em teoria, porque, assim como a pulchellina, apresentam alta toxicidade", disse Ana Paula de Araújo, bióloga da equipe de pesquisa.

O jequiriti é nativo da região Sudeste e a mamoma está presente no país inteiro. "Temos no Brasil um arsenal de produtos biológicos a nosso dispor. Só precisamos conhecer bem suas moléculas para podermos utilizá-las em termos farmacológicos", completa.

Na pesquisa da USP, foram realizados trabalhos com a pulchellina e a ricina, em paralelo, para efeito de comparação. "Optamos pela pulchellina por já trabalharmos com ela, além de ter algumas vantagens em termos de ligá-la ao anticorpo e da facilidade em produzi-la", explica Ana Paula.

A ricina foi reconhecida há mais de um século e tem aprovação do FDA (Food and Drug Administration), agência norte-americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, para tratamento de câncer, enquanto a pulchellina foi descoberta nos últimos 30 anos e ainda não foi regulamentada. Há semelhanças entre elas em relação às propriedades estruturais e funções biológicas, mas não há registro do uso da pulchellina em terapias direcionadas.

Plantas tóxicas na medicina e na guerra

Plantas tóxicas têm sido utilizadas ao longo da história tanto em medicamentos quanto como armas químicas. Em 2013, o FBI interceptou uma carta com ricina enviada ao então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Na ocasião, a mesma substância foi encontrada em uma carta enviada ao senador republicano Roger Wicker.

A substância também aparece na série norte-americana "Breaking Bad", na qual um químico resolve, após tragédias pessoais, utilizar seus conhecimentos acadêmicos para produzir e vender metanfetamina, droga ilegal nos Estados Unidos. Na série, ele utiliza a ricina para "eliminar" inimigos.
Na década de 1970, um jornalista búlgaro morreu após um homem injetar ricina em sua perna com a ponta de um guarda-chuva em Londres.

A substância teria sido usada ainda na Guerra Irã-Iraque, nos anos 1980. "O exército americano fomentou pesquisa para desenvolver um antídoto contra essa arma química. É possível matar um pelotão com a ricina. Mas em nosso trabalho com a pulchellina, estamos utilizando sua toxidade com o objetivo de salvar vidas", afirma Guimarães.

Fonte: UOL

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