O sangue vermelho que corre nas veias de Luciana Sargentelli comoveu a
Avenida. No desfile campeão da Estácio em 92, a bela mulata sangrou
literalmente durante a passagem vitoriosa do Leão. Seus passos
desenharam a beleza e o vigor do samba num tripé que representava o
velho e o novo, a arte clássica e os traços da escultura modernista. E
ela era a própria obra de arte em movimento.
Filha de Oswaldo Sargentelli, que fez sucesso ao produzir inesquecíveis
shows de mulatas nos anos 70 e 80, Luciana foi destituída do cargo de
rainha de bateria – que ocupava desde o carnaval de 1989 — em detrimento
da modelo Monique Evans. Criou-se então um enredo de vilã e mocinha na
dramaturgia do carnaval. Sobre uma possível rivalidade, a passista foi
lacônica: “Eu não quero nem comentar. Minha resposta vai ser na
Avenida”.
E foi. Como num roteiro escrito para grandes personagens. Pouco antes do
desfile da Estácio, uma chuva fina tomou conta da Sapucaí. A água
tornou o piso do tripé em que vinha Luciana Sargentelli extremamente
escorregadio. A solução foi tirar a sandália. Para completar, a chuva
fez com que os espelhos que adornavam a varanda em torno da escultura
central se soltassem. A combinação de pequenos cacos de espelho com os
pés descalços da sambista foram perfeitos — e dolorosos — para uma
passagem heroica e consagradora pela Avenida. Uma performance digna dos
versos de Chico Buarque em “Vai passar”:
“Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais”
E no desvario da Pauliceia, a menina que flutuou nas asas da ilusão
escreveu com sangue, suor e coragem a história de um título que o
carnaval nunca vai esquecer.
extra
Nenhum comentário:
Postar um comentário