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Reprodução/Terra)
O ex-ministro Antonio Palocci é um pote
até aqui de mágoa. Na última semana, movido por esse sentimento que o consome
desde setembro de 2016, quando foi preso em Curitiba, o homem forte dos
governos Lula e Dilma deu o passo definitivo rumo à delação premiada: contratou
o advogado Adriano Bretas, conhecido no mercado por ter atuado na defesa de
outros alvos da Lava Jato que decidiram, como Palocci, romper o silêncio. Lhano
no trato, embora dono de temperamento mercurial quando seus interesses são
contrariados, o ex-ministro resolveu abrir o baú de confidências e detalhar aos
procuradores todo arsenal de informações acumulado por ele durante as últimas
duas décadas, em que guardou os segredos mais recônditos do poder e nutriu uma
simbiótica relação com banqueiros e empresários. “Fiz favor para muita gente.
Não vou para a forca sozinho”, desabafou Palocci a interlocutores.
ISTOÉ conversou nos últimos dias com pelo menos três fontes que participaram
das tratativas iniciais para a colaboração premiada e ouviram de Palocci o que
ele está disposto a desnudar, caso o acordo seja sacramentado. Das conversas,
foi possível extrair o roteiro de uma futura delação, qual seja:
> Palocci confirmará que, sim, é mesmo o “Italiano” das planilhas da
Odebrecht e detalhará o destino de mais de R$ 300 milhões recebidos da
empreiteira em forma de propina, dos quais R$ 128 milhões são atribuídos a ele.
> Contará como, quando e em quais circunstâncias movimentou os R$ 40 milhões
de uma conta-propina destinada a atender as demandas de Lula. Atestará que, do
total, R$ 13 milhões foram sacados em dinheiro vivo para o ex-presidente
petista. Quem sacou o dinheiro e entregou para Lula foi um ex-assessor seu, o
sociólogo Branislav Kontic. Palocci se compromete a detalhar como eram definidos
os encontros de Kontic com Lula. Havia, por exemplo, uma senha, que apenas os
três sabiam.
> Dirá que parte da propina que irrigou essa conta foi resultado de um
acerto celebrado entre ele e Lula durante a criação da Sete Brasil, no ano de
2010. O ex-presidente teria ficado com 50% da propina. Um total de R$ 51
milhões.
> Está empenhado em revelar como foi o processo de obtenção dos R$ 50
milhões para a campanha de Dilma, num negócio fechado entre o PT e a Odebrecht,
com a ajuda de Lula e do ex-ministro Guido Mantega. E mostrará como Dilma
participou das negociatas e teve ciência do financiamento ilegal.
> Afirmará que a consultoria Projeto foi usada também para recebimento de
propinas. Indicará favorecidos. Comprometeu-se ainda a entregar o número de
contas no exterior que foram movimentadas por esse esquema.
> Pretende mostrar como empresas e instituições financeiras conseguiram uma
série de benefícios dos governos petistas, como isenção ou redução de impostos,
facilidades junto ao BNDES, renegociação de dívidas tributárias, etc.
Palocci sabe que uma chave está em suas mãos. Com ela, pode abrir as fechaduras
da cela onde está detido, no frio bairro de Santa Cândida, na carceragem da
Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Para ajudar a desvendar o
megaesquema de corrupção na Petrobras, a memória do ex-ministro da Fazenda de
Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma será colocada à prova. Ele tem
informações que podem explicar como, a partir do início do governo do
ex-presidente Lula, organizações criminosas foram montadas para sustentar
politicamente o PT, o PMDB e o PP e mantê-los no poder. Tudo à base de propina,
dizem os investigadores da Operação Lava Jato, que serviram também para
enriquecimento pessoal.
Há interesse dos procuradores em saber em minúcias, se possível com documentos,
dados sobre a gênese do que se convencionou chamar de Petrolão. Um investigador
de Curitiba disse que Palocci terá de reunir dados novos e com “fundamentação”
se quiser convencer a PF e a Procuradoria a endossar o acordo. Ele entende que
o ex-ministro precisa apresentar provas ou, ao menos, indícios “consistentes” e
tratar deles num depoimento “de peito aberto”. A julgar pelo cardápio
apresentado até agora pelo ex-ministro, isso não será óbice. Segundo
interlocutores que conversaram com Palocci nas últimas semanas, o ex-ministro
não enxerga problema algum em assumir a clássica postura de delator. Sente-se
amargurado. Abandonado por companheiros de outrora. Por isso está “bastante
tranquilo” para assumir as consequências dos eventuais efeitos colaterais da
colaboração premiada.
No início das negociações para a delação, o ex-ministro se propôs a fornecer
informações detalhadas sobre os R$ 128 milhões da Odebrecht que teriam passado
por ele. Embora tenha chamado a atenção, procuradores acharam pouco.
Sustentaram que o que já foi reunido a esse respeito seria o suficiente para a
elucidação dos fatos. E que as revelações não seriam tão bombásticas assim.
Diante do impasse, foi deflagrada uma nova rodada de negociação, que culminou
com a renúncia de José Roberto Batochio de sua equipe jurídica. Depois de
procurar ao menos três escritórios de advocacia pouco antes da Páscoa, Palocci
acertou com uma dupla de criminalistas já ambientada ao mundo daqueles que
resolvem colaborar com a Justiça em troca de reduções das penas. Além de
Bretas, foi contratado também o advogado Tracy Reinaldet dos Santos.
Após a primeira etapa de conversas com o novo time de defensores, ficou
definido que Palocci vai começar a abrir sua caixa de Pandora pelo escândalo da
Sete Brasil, uma empresa criada em 2010 para construir as sondas (navios de
exploração de petróleo) para a Petrobras. Além do capital da estatal, a Sete
tinha dinheiro de bancos, como o BTG e de três fundos de estatais (Petros,
Previ e Funcef). As seis primeiras sondas da empresa foram construídas pelo estaleiro
Enseada Paraguaçu (com capital da Odebrecht, OAS e UTC). Cada sonda ao custo de
US$ 800 milhões. As seis, portanto, estavam orçadas em US$ 4,8 bilhões (ou R$
15,3 bilhões), embora a Sete Brasil estimasse um investimento de US$ 25 bilhões
para construir 29 sondas até 2020. Na delação, Palocci pretende contar que o PT
exigiu que a Sete Brasil e as empreiteiras do estaleiro Enseada Paraguaçu
pagassem propinas de 1% do contrato de US$ 4,8 bilhões, ou seja, US$ 48 milhões
(R$ 153 milhões). Desse total, dois terços, ou R$ 102 milhões, ficariam para o
partido e um terço (R$ 51 milhões) para diretores da Petrobras. Sem medo de ser
feliz, Palocci vai entregar que Lula exigiu metade das propinas. Não para o
partido, nem para a companheirada, mas para ele, Lula.
“Sapo barbudo”
O depoimento de Rogério Araujo, ex-executivo da Odebrecht que acabou de
celebrar um acordo com a Procuradoria-Geral da República, fornece o caminho das
pedras sobre a tentativa do PT de embolsar ilegalmente R$ 153 milhões desviados
da Sete Brasil. Araujo disse que o PT exigiu que 1% do contrato das sondas da
Sete Brasil, assinado em 2012, fosse fixado como propina. O valor havia sido
pedido pelo “sapo barbudo”, numa referência a Lula. “O Pedro Barusco
(ex-gerente da Petrobras e dirigente da Sete Brasil), voltou para mim e falou:
‘Olha, esse 1%… vocês vão ser procurados por um interlocutor do PT, o sapo
barbudo deu instrução. Ele me disse que 1% vai ser todo pago para o PT, porque
não querem empresas estrangeiras pagando esses dois terços para o PT. Eles têm
confiança na Odebrecht”, relatou Araújo na sua delação. A conversa de Araújo
com Barusco aconteceu em 2012, depois da assinatura do contrato com o consórcio
formado pela Odebrecht, OAS e UTC, além da japonesa Kawasaki. “A conversa foi no
Rio. Normalmente eu almoçava com o Pedro Barusco. Só eu e ele”, asseverou
Araújo, explicando que as seis sondas da Sete Brasil para a Petrobras custariam
US$ 4,8 bilhões. Barusco disse, então, a Araújo que estava acertado que 1% das
seis sondas era na proporção de um terço para a “casa” (dirigentes da
Petrobras) e dois terços para o PT (R$ 102 milhões). Quem receberia essa
propina seria o então tesoureiro João Vaccari, preso em Curitiba. É aí que
Palocci entra em cena. O superior de Rogério Araújo, o executivo Marcio Farias
disse que o ex-ministro Palocci havia lhe pedido uma reconsideração na propina
da Sete Brasil. Ou seja, que os 100% de 1% fossem destinados para o PT, pois
Lula entrou no negócio e estava pleiteando a metade do valor.
Como a operação precisava do aval do topo da hierarquia do esquema, Marcelo
Odebrecht foi acionado. Ele, então, mandou chamar Palocci e disse que as
comissões da Sete Brasil destinadas ao PT já estavam incluídas na conta
corrente do partido no Setor de Operações Estruturadas, o “departamento de
propina” da empresa, entre as quais a “Italiano” (Palocci), o “Pós-Itália”
(Mantega) e o “Amigo” (Lula). Essa conta, que Palocci atestará que é mesmo
dele, chegou a somar R$ 200 milhões em 2012. Se sua delação for aceita pelos
procuradores, Palocci irá confirmar não só o encontro com Marcelo como os
valores da propina repassada para Lula, dinheiro este derivado da Sete Brasil e
que já estava contemplado na planilha da empreiteira – perfazendo um total de
R$ 51 milhões.
Como na exuberante movimentação bancária do ex-ministro entre 2010 e 2015, boa
parte dos recursos depositados era oriunda de sua empresa, a Projeto, as
consultorias de Palocci merecerão um capítulo à parte em sua delação. Os
serviços contratados iam além dos conselhos. Muitas vezes, os serviços de
consultoria nem eram prestados. Traduziam-se em lobby. Em português claro:
tráfico de influência em favor de grandes empresas junto aos governos petistas.
Na condição de interlocutor preferencial da banca e da meca do PIB nacional,
Palocci teria negociado ajuda a várias empresas e bancos. Por isso, segundo
seus interlocutores, ele promete contar os bastidores das concessões de
benesses a grupos econômicos.
Quem tem mais a perder, no entanto, é PT. E o próprio Lula. Não por acaso, o
partido entrou em parafuso quando Palocci sinalizou que estava disposto a
partir para a delação. Nos últimos dias, dirigentes do partido e emissários do
ex-presidente foram escalados para ir a Curitiba, onde o ex-ministro está
preso. Todos ainda acalentam o sonho de que Palocci volte atrás. A despeito de
as ofertas serem muitas, e tentadoras, o ex-ministro já avisou: não pretende
recuar. Prevendo um novo infortúnio, petistas que conviveram com Palocci no
Congresso já têm até em mente uma daquelas narrativas espertas destinadas a
desvincular Lula de todo e qualquer crime que tenha cometido com o testemunho e
a cumplicidade metódica de Palocci. Eles mencionam um caráter supostamente
“individualista” do ex-ministro, desde que debutou para a política em Ribeirão
Preto. Claro, só os convertidos, e inocentes úteis, vão cair em mais essa
catilinária.
Terra